A
polêmica acerca da legitimidade democrática do Poder Judiciário em resolver
questões de ordem constitucional remonta a pelo menos os anos 20 do século
passado, sendo devidamente ilustrado no embate entre os pensadores Hans Kelsen
e Carl Schmitt, em que o primeiro defendia que o controle de
Constitucionalidade fosse realizado por meio de uma Corte Constitucional, com especial
papel na tomada de posições contra-majoritárias, e o segundo defendia que esse
controle só poderia ser feito por quem estivesse a cargo de um poder obtido com
base em critérios eleitorais majoritários garantidores da soberania popular. O
fato de a composição do Judiciário não ser resultante da vontade direta da
população, como o são o Executivo e o Legislativo, pode invocar certa insegurança
sobre seu poder de decisão acerca de matérias consideradas eminentemente
políticas, como são as que dizem respeito à interpretação dos dispositivos
constantes na Constituição (lei maior de uma nação). Contudo, atualmente, sedimentou-se
o entendimento de que o Poder Judiciário teria legitimidade para dirimir
colisões entre direitos fundamentais, ao que se poderia atualmente argumentar
que esta legitimidade derivaria da própria Constituição e, assim, não seria carecedora
de uma atuação dentro das autorizações democraticamente estabelecidas. No mesmo
sentido, além de ter suas atribuições previstas constitucionalmente (ou seja,
nos termos definidos em uma Constituição formulada mediante processo
democrático garantidor da participação popular), teríamos ainda que a escolha
dos componentes da Suprema Corte se dá a partir de indicação do Presidente da
República (representante da população eleito pela regra majoritária), e, ainda,
mediante sabatina dos membros do Senado Federal (representantes dos Estados
Federados também eleitos por regras majoritárias), o que aumenta significativamente
a legitimidade da Corte Constitucional no tocante aos critérios democráticos de
sua composição. Dessa forma, poder-se-ia mesmo dizer que haveria, ainda que
indiretamente, a participação popular na composição dos membros da Corte Constitucional
de uma nação. Na prática, contudo, não é isenta de críticas a atuação do Poder
Judiciário quando decide questões que envolvam certos valores não consensuais
entre a população e mesmo entre a comunidade política. Afinal, a defesa de certos
princípios de Direito em determinado caso concreto pode entrar em choque com a
vontade circunstancial da maioria da população (o que encarnaria o papel
contra-majoritário defendido por Kelsen). Como garantia de que referidos
princípios fossem respeitados independentes das circunstâncias políticas,
Tribunais Constitucionais assumiram o papel de julgamento de certos atos e de
interpretação de certas normas, segundo princípios constitucionais, na defesa
de direitos e de princípios orientadores do regime democrático, ainda que
contrariados ou acobertados pelo manto de maiorias políticas circunstanciais. Assim,
a partir da universalização dos direitos fundamentais, constante na Constituição
(que não condiciona em seu texto a aplicabilidade desse direitos a posteriores
arranjos majoritários, mas obriga desde logo que sua aplicação se dê em relação
a todos os seres humanos, sem exceção), caberia à Corte Constitucional a defesa
desses direitos, em cumprimento ao que dispõe a Constituição, e ao próprio
papel atribuído à Corte pela lei maior da nação. Nesse sentido, caberia ao
Poder Judiciário a garantia de certos princípios e direitos fundamentais, ainda
que não respaldados pela vontade majoritária da população, e muitas vezes contrariando
decisões dos próprios Poder Legislativo e Executivo. Mas, ao mesmo tempo, é
essa independência frente aos demais poderes que torna possível que sejam
respeitados certos direitos de minorias e a própria garantia do processo
democrático, possibilitando certa proteção desvinculada da oscilação inerente à
política e à construção de maiorias, o que se tornou relevante após a realidade
dos regimes autoritários que marcaram a história do século XX, em especial
aqueles experimentados na Europa no período entre guerras. Obviamente que um
exagero no que se passou a chamar de “ativismo judicial” vai suscitar críticas,
como as que mencionam o risco de esvaziamento das esferas políticas tradicionais,
estas sim legitimadas diretamente pelo voto. Por outro lado, muitos veriam
nessa atuação a defesa exatamente dos pressupostos garantidores do regime democrático,
garantido pela Constituição, na medida em que recolocaria no cenário político
minorias que, de outro modo, estariam alijadas dos direitos fundamentais
necessários à consolidação do sistema democrático (que é atualmente, no aspecto
jurídico, elemento norteador da política e do direito). Em que pese o caráter
eminentemente político das relações entre os Poderes do Estado, e a necessária fixação
de limites de atuação entre eles, haveria ainda mecanismos favorecedores ao
estabelecimento de limites à atuação do Judiciário, que seriam inerentes à
própria natureza da separação dos poderes, com seus freios e contrapesos. Não
obstante, dentro das esferas de atuação constitucionalmente estabelecidas, competiria
também ao próprio Judiciário o estabelecimento de mecanismo de atuação legítima
e de autocontenção, que aos poucos se consolidariam, para que sua atuação não
fugisse às atribuições democraticamente estabelecidas pela Constituição, e, no
mesmo sentido, diminuindo a margem de discricionariedade das decisões judiciais
(teríamos como exemplos de mecanismos o aumento da necessidade de motivação das
decisões, a legitimidade de atuação para a garantia de direitos a minorias
discriminadas e aqueles relacionados aos pressupostos de funcionamento do sistema
democrático, a autocontenção em questões de natureza técnica extrajurídica e
ponderações relativas ao grau de participação popular na formação do ato
questionado, etc.). Por fim, ter-se-ia que, a partir do deslocamento do Direito
para além das convenções humanas circunstanciais e a universalização dos
direitos fundamentais (o que se dá, por exemplo, no caso dos direitos
reconhecidos internacionalmente via declarações de Direito como a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, etc), os Tribunais Constitucionais assumem o
papel de garantidores da eficácia desses direitos, dentro das autorizações legitimamente
estabelecidas na Constituição, na defesa dos princípios garantidores do sistema
democrático e dos direitos fundamentais, mesmo que contrariados pelo advento de
certas maiorias políticas.
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REFLEXÕES E DIVAGAÇÕES - A morte do artista
"Quem matou o artista? Há assim várias hipóteses. E também vários suspeitos. Foi o martelo do operário? Ou foi apenas um acidente de trabalho? Foi a caneta do burocrata? Ou se intoxicou com a tinta dos carimbos? Ou foi o giz da sala de aula? Foi uma bala perdida? Ou ela era direcionada? Ou talvez tenha morrido de fome, para aumentar os lucros dos investidores?
O artista morreu, mas se recusa a ser enterrado
Levanta-se do caixão e corre desatinado
Nu pelos campos
Causando espanto entre as velhas senhoras da sociedade
As pessoas se espantam e gritam
E os senhores engravatados se reúnem:
O artista só faz perturbar a ordem!
E isso não é bom para os negócios
Quem vai conseguir enterrar o artista
e conseguir enfim estabelecer a ordem no mundo?
O artista tem o peito aberto
Por onde escorrem-lhe as entranhas
É agora um zumbi, um verme, um corvo
Transformando o podre em nova vida
E produz mau cheiro
Chafurda a morte
Tem um vômito ácido
Mas toma um Sonrisal® e segue em frente
O artista morreu, mas se recusa a ser enterrado
Levanta-se do caixão e corre desatinado
Nu pelos campos
Causando espanto entre as velhas senhoras da sociedade
As pessoas se espantam e gritam
E os senhores engravatados se reúnem:
O artista só faz perturbar a ordem!
E isso não é bom para os negócios
Quem vai conseguir enterrar o artista
e conseguir enfim estabelecer a ordem no mundo?
O artista tem o peito aberto
Por onde escorrem-lhe as entranhas
É agora um zumbi, um verme, um corvo
Transformando o podre em nova vida
E produz mau cheiro
Chafurda a morte
Tem um vômito ácido
Mas toma um Sonrisal® e segue em frente
Já não tem fígado ou pulmão
E o coração está em pedaços
E ainda assim, de suas tripas espalhadas,
Constrói sua obra-prima"
(Paulo A.C.B.Jr)
E o coração está em pedaços
E ainda assim, de suas tripas espalhadas,
Constrói sua obra-prima"
(Paulo A.C.B.Jr)
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